Professor Beto Nunes fala sobre a sua história com o ensino de Jiu-jitsu para crianças
Nessa entrevista, o advogado e professor Faixa-preta 4º Grau, professor Beto Nunes, conta sobre a sua vida dedicada ao Jiu-jitsu Brasileiro (Brazilian Jiu-Jitsu – BJJ). Beto Nunes é formado com o mestre Ricardo De La Riva e já possui mais de 25 anos de experiência na aprendizagem e no ensino da Arte Suave do BJJ.
Em sua jornada, o Faixa-preta co-autor do Programa Didático Fight & Smart de Jiu-jitsu Brasileiro na Escola lecionou aulas e seminários mundo afora, aprimorando os fundamentos e as técnicas dos seus alunos e defendendo os valores e comportamentos da arte suave. Entre essas, destaca-se as práticas corporais e salutares, controle e equilíbrio emocional, construção de caráter e espírito de cidadania, respeito, disciplina e auto-confiança.
Entre os seus alunos estão os soldados do Exército dos Emirados Árabes e as crianças das Escolas Públicas Militares em Dubai e Abu Dhabi bem como oficiais norte-americanos do Army, Air Force, Navy, Rangers e SWAT Team.
Beto Nunes também possui uma ampla experiência como árbitro internacional da IBJJF (International Brazilian Jiu-Jitsu Federation) e da UAEJJF (United Arab Emirates Jiu-jitsu Federation), contribuindo com o progresso de crianças e adolescentes em competições por diversos países.
Preparando-se para uma Pós-graduação dupla em “Atividade Física e Saúde: Treinamento e prescrição para grupos especiais” e em “Fisiologia do Exercício”, o professor Beto Nunes falou com a gente e contou um pouco mais sobre a sua história ensinando o Jiu-jitsu Brasileiro para crianças e como pretende compartilhar essa experiência com as crianças brasileiras.
Fight & Smart: Qual foi o seu primeiro contato com o BJJ? Conte como foi, quando, onde etc?
Beto Nunes: Começou com o UFC de 1994 (Ultimate Fight Championships), quando o brasileiro Royce Gracie, com o biotipo de jogador de vôlei, surpreendeu o mundo das lutas ao vencer o campeonato utilizando a arte marcial BJJ. Logo após o UFC o meu interesse em aprender o Jiu-jitsu Brasileiro foi muito grande.
Por coincidência do destino, naquele mesmo ano, encontrei um grande amigo de infância que estava morando no Rio de Janeiro, porém veio de férias para Vera Cruz/SP, o judoca Alexandre Matsuzava. Alexandre me convidou para treinar essa nova arte marcial, que ele próprio ainda estava aprendendo. Ele explicou que o Jiu-jitsu Brasileiro era uma luta sem socos e pontapés. Ao invés disso, era baseada na Defesa Pessoal e no combate corporal, procurando sempre derrubar e imobilizar, ou finalizar, o seu oponente. Nossos treinos ocorreram na sala das aulas de danças da Academia Salutar, do professor de Karate Hélio Oshiiwa, com piso de madeira, duro que só (risos!).
Dessa experiência surgiu a iniciativa de montar uma das primeiras academias de Jiu-jitsu Brasileiro do Oeste Paulista. Assim fizemos a Academia Behring Salutar, na pacata Vera Cruz, liderada pelo Grande Mestre Flávio Behring, destacado na arte suave por estar entre os 10 Faixas-Pretas formados pelo Grandíssimo Mestre Hélio Gracie. Viajávamos para São Paulo para aprender posições do Jiu-jitsu Brasileiro, para ensinar na Academia em Vera Cruz!
Isso não teria sido possível sem a ajuda e empenho dos amigos da equipe, não apenas de Vera Cruz, como Marília e Garça, entre eles, cito os meus irmãos Ricardo e Fabiano (Nani) Nunes, os irmãos Juca e Zeca Pereira Leite, o inovador Uri Flato e o professor Rodrigo Poderoso entre outros, todos parte dessa história do Jiu-jitsu Brasileiro na nossa região.
Fight & Smart: Quando você decidiu se dedicar inteiramente a prática e ao ensino de BJJ? Quais foram os motivos que o levaram a essa decisão?
Beto Nunes: No início, em meados da década de 1990, eu cursava a faculdade de Direito e o meu foco era passar em um concurso público para Delegado Federal. Eu ainda não vislumbrava essa relação com a luta como uma carreira profissional. Entretanto, o Jiu-jitsu Brasileiro ja fazia parte do meu dia a dia, já estava “no sangue e na alma”. Eu adorava participar das aulas de Jiu-jitsu na Academia, era um aprendiz ao mesmo tempo em que já me arriscava no papel de instrutor. Como se fala no Tatame, eu ajudava a “puxar o treino”!
No final da década de 1990, alguns membros da equipe resolveram participar com mais frequência de competições. Foi nessa ocasião que passei a fazer parte da melhor equipe de Jiu-jitsu Brasileiro da época, a Carlson Gracie, do lendário Mestre Carlson, o lutador e professor da segunda geração dos Gracie que revolucionou o Jiu-jitsu de luta. Então, recebemos os professores da equipe Carlson Gracie, os Faixas-Pretas Antônio (Malone) Gadelha e Marcos (Robô), para conduzirem as aulas da equipe em Vera Cruz. Na época, com a Faixa Marrom, eu me tornei formalmente um dos instrutores (auxiliares) da equipe.
Entram os anos 2000… Formei-me em Direito, passei no exame da OAB, advoguei, tornei-me Faixa Preta de Jiu-jitsu Brasileiro com o Professor Faixa Preta 6° Grau, Luiz Carlos Manimal, um dos ícones da nossa arte e aluno do eterno Mestre Carlson Gracie.
Até que no final de 2004 eu resolvi passar uma temporada nos EUA para repensar a vida e a minha profissão. Foi na América, como um acaso divino, que tive o chamado de tornar-me um professor profissional da arte suave do Jiu-jitsu Brasileiro.
Fight & Smart: Conte sobre a sua experiência com o ensino de BJJ nos EUA, desde o trabalho nas academias, o treinamento de oficiais de segurança, como Navy, Swat etc., até o ponto de ter a sua própria academia de BJJ na Flórida.
Beto Nunes: Em Orlando, na Flórida, fui morar com outro atleta Faixa-preta, que tinha acabado de chegar no Brasil e se tornaria um dos meus grandes amigos, o Edgard Dutra, de Brasília. Ele havia se formado com o Grande Campeão Cássio Werneck, Morávamos em uma Townhouse, onde os quartos ficavam na parte de cima e, em baixo, ficava a cozinha com uma garagem bem grande na frente. Decidimos usar a garagem para treinar Jiu-jitsu. Começamos com treinos às segundas, quartas e sextas-feiras, chamando os nossos amigos do meio da luta e novos amigos que iniciaram seus primeiros passos na nossa garagem.
Em uma viagem de final de semana para a praia, passamos em frente a uma academia de Karatê, na cidade de Melbourne, Flórida, e decidimos entrar para perguntar se havia interesse em oferecer aulas de BJJ. No mesmo dia saímos de lá com um lugar para darmos aula. Em menos de 3 meses já tínhamos mais de 50 alunos no Tatame. Não demorou muito para consolidarmos nossos nomes na região, entrarmos com a papelada para mudar os nossos Vistos, e passar a treinar as equipes da Palm Bay Police Department e da Melbourne Police Department. Também passamos a frequentar a Aeronáutica Americana (Air Force – Special Operation Command and 308th Rescue Squadron) que ficava na cidade de Melbourne. Posteriormente, combinei com o Edgard, e ele ficou tempo integral em Melbourne, onde está até hoje com as aulas de Jiu-jitsu Brasileiro.
Eu fui convidado para dar aula em uma Academia na cidade de Lakeland, com, na época, o Faixa-Marrom Daniel Viveiro e o Faixa-Roxa Rafael Santos, hoje Faixa-Preta e proprietário da Carlson Gracie Team Lakeland. Em Lakeland que decidi extrapolar as atividades como professor de Jiu-jitsu Brasileiro, primeiro participando de lutas de MMA (Mixed Martial Arts), conquistando vitórias e títulos, e posteriormente abrindo a minha própria academia, a De La Riva Lakeland.
Essa decisão foi um divisor de águas na minha trajetória com o ensino de Jiu-jitsu, pois consegui um contrato para treinar a SWAT e os estudantes das escolas públicas de Ensino Médio da cidade. Essa experiência despertou em mim um sentimento profundo de ensinar a arte suave do Jiu-jitsu Brasileiro para crianças e adolescentes, fazendo de mim um professor ainda mais atencioso, organizado e determinado, passando a pensar com mais afinco em metodologia de ensino, plano de aulas e avaliação.
Com a boa reputação, com base em uma ética de trabalho, fui convidado para atuar como árbitro nos campeonatos de Jiu-jitsu na Florida e, posteriormente, em dezenas de outros estados americanos (36 Estados ao todo), incluindo o Hawaii. Fui árbitro em vários Campeonatos da IBJJF (International Brazilian Jiu Jitsu Federation), NAGA (North American Grappling Association), Grapplers Quest, De La Riva Cup, Copa America, NewBreed, entre outros, totalizando 8 anos arbitrando. A minha especialidade era arbitrar lutas de crianças. Nessa fase, ganhei amigos-irmãos no meio do Jiu-jitsu, como o professor Rinaldo Santos, Faixa-Preta 5º Grau do saudoso Mestre Carlson Gracie. Por quase 4 anos nós rodamos a America, levando os valores e a cultura do Jiu-jitsu Brasileiro. Fui o representando do Estado da Flórida na Federação Amadora de MMA (Fighters Source), atuando com com Renzo Gracie, representando Nova Iorque, Romero “Jacaré” Cavalvanti, representando a Georgia e Dan “The Best” Severn.
Com a boa fase, decidi me mudar para Gainnesville, a cidade na Flórida onde o Gatorade foi inventado (risos). Com esforço e dedicação, e um respeito enorme pelo ensino de Jiu-jitsu Brasileiro, firmei o meu próprio nome como uma marca de qualidade no meio, o Beto Nunes Brazilian Jiu Jitsu Team. Logo já estava atuando também em outras cidades vizinhas, como Ocala e Lake City, passando a firmar parcerias com as Academias que, por sua vez, passaram a representar o Beto Nunes Brazilian Jiu Jitsu Team, focando, particularmente, no Jiu-jitsu Kids.
Fight & Smart: Quais aprendizagens mais marcaram o seu trabalho com o ensino de BJJ nos EUA?
Beto Nunes: Duas coisas foram fundamentais e guardarei para sempre comigo. Além dos nomes já citados, a riqueza que era conviver com o mestre Ricardo De La Riva, com o “príncipe” Carlson Gracie Junior e com o Mestre Luiz Palhares, Faixas-Pretas 7º Graus formados por Rolls e Rickson Gracie, com o Mestre Luiz Carlos Manimal, com o Mestre Crezio de Souza e muitos outros. Uma honra poder participar um pouco da história do Jiu-jitsu Brasileiro na America ao lado dessas pessoas. Outra situação que me marcou bastante foi, ao me tornar um profissional do Jiu-jitsu Brasileiro, poder criar e implementar meu próprio sistema de aula, principalmente para as crianças ao mesmo tempo em que eles me ensinavam cada vez mais a língua inglesa, com brincadeiras e um ambiente muito harmonioso.
Fight & Smart: Conte sobre a sua experiência com BJJ nos Emirados Árabes Unidos, desde o treinamento das Forças Armadas até o ensino de BJJ as crianças das Escolas Públicas de Dubai.
Tudo estava indo bem nos EUA. Entretanto, o chamado de me tornar um profissional do Jiu-jitsu Brasileiro havia se aprofundado, e eu estava com o desafio de melhorar cada vez mais como um professor de crianças e adolescentes. Foi aí que surgiu a o convite para ir aos Emirados Árabes Unidos (EAU). Os EAU estavam fazendo um movimento duplo que me interessou demais. Primeiro, eles instituíram o Jiu-jitsu como atividade curricular nas escolas da Educação Básica. Segundo, eles estavam inovando o ensino e aprendizagem de Jiu-jitsu, com material estruturado para as aulas práticas e valorização dos instrutores (coaches). Assim, minha ida para Dubai foi inevitável
Os desafios lá foram diferentes, aprendendo sobre uma cultura bem mais diferente daquele que havia vivenciado em Vera Cruz, com hábitos religiosos e sociais diferentes até o clima diferente, porém com uma coisa em comum: o Jiu-jitsu Brasileiro e seus valores do respeito mútuo, autoconfiança e disciplina. Uma outra diferença marcante também ocorreu em relação a cultura do Jiu-jitsu. Eu me refiro ao fato de que não havia “Time” ou “Equipe” de Jiu-jitsu. Ao contrário, todos os Professores, ou “Coaches”, faziam parte de um projeto maior de política pública para o país, algo que estamos prestes a começar no Brasil com o Projeto de Lei no Senado que aponta para a prática do Jiu-jitsu Brasileiro nas nossas escolas públicas.
Fight & Smart: Quais aprendizagens mais marcaram o seu trabalho com o ensino de BJJ nos EAU?
Como todo começo, as coisas eram difíceis. Em algumas aulas, tinha que acordar as 3h30 da manhã e dirigir 1h30 até o local de trabalho, em algumas Escolas Militares em cidades vizinhas de Dubai e Abu Dhabi. Nunca havia testado a minha dedicação com o ensino de Jiu-jitsu como nessa ocasião. Outra experiência marcante foi ter tido a oportunidade de ministrar uma aula de Jiu-jitsu para o Exército dos EAU ao lado do atleta de BJJ mais conhecido do país, o ídolo nacional, Faixa-Preta em Jiu-jitsu Brasileiro Faisal Al-Kitbe. Foi muito interessante e me fez voltar, na memória, ao início em Vera Cruz, pois eu “puxava” o treinamento em inglês e Faisal “puxava” em árabe (risos). Essa aula foi gravada pelo canal National Geographic Abu Dhabi e apresentada para todo o país. Teve também a experiência de participar, como Coach, da “Maior Aula de Jiu-jitsu Brasileiro para Crianças do Mundo”, quando entramos para o Guinness World Records com a aula de 25 de Novembro de 2015 (3640 crianças participaram da aula).
Também tenho que falar sobre a gama de contatos e novos amigos que trabalharam ao meu lado, em especial a primeira turma que trabalhei, a galera da SAL, base militar mais rigorosa do Emirados Árabes. Nos tornamos amigos, com fortes laços, e também mantenho contanto com eles até hoje.
Por fim, também tenho que mencionar os Campeonatos locais, o World Pro, Abu Dhabi Open, Dubai Open e vários outros em que eu arbitrava. Dessa vivência, surgiram convites para ministrar Seminários em academias na Europa e no Japão. Já pensou? Eu indo compartilhar minha experiência com o Jiu-jitsu Brasileiro no Japão, berço milenar da arte marcial que inspirou o Jiu-jItsu Gracie e o Jiu-jitsu Brasileiro como um todo? (emocionado)
Fight & Smart: Toda esse acúmulo de experiência culminou na co-autoria do Programa Fight & Smart, voltado ao ensino de Jiu-jitsu Brasileiro as crianças brasileiras. Qual a sua expectativa com o Programa Fight & Smart?
Beto Nunes: Foram 3 anos trabalhando no Oriente Médio até que uma curva do destino me faz voltar ao Brasil. Em 2017, meu pai foi diagnosticado com câncer. Logo ao saber já desfiz meu contrato nos EAU e retornei para, junto aos meus irmãos e minha mãe, ajudar e dar força no tratamento. Hoje ele está bem e venceu essa! (suspira). Nesse interim, desenvolvi a ideia de criar um programa de ensino de Jiu-jitsu Brasileiro para crianças, que seria bilíngue, retomando a minha experiência com as escolas nos EUA e nos EAU. Ao compartilhar essa ideia com o educador Beto Cavallari, iniciamos o projeto em 2019 como um programa pedagógico com base em material didático, dentro dos parâmetros da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que é a área do Beto Cavallari.
Com isso, temos a expectativa de contribuir com o desenvolvimento pleno das crianças brasileiras, algo que ainda é muito caro as politicas públicas voltadas a Educação Integral. Acreditamos que o Jiu-jitsu Brasileiro tem muito a contribuir com essa formação integral, e estamos muito focados em fazer isso acontecer nas escolas e nas academias no Brasil.
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